02-02-2015, 01:18 PM
Retirado do Livro Maestria, de Robert Greene.
É preciso reconhecer o direito de cada um de viver de acordo com o próprio caráter, qualquer que seja ele: o importante é que todos se empenhem em fazer uso do caráter alheio de maneira compatível com sua natureza, em vez de tentar mudá-lo e de condená-lo pelo que é. Esse é o verdadeiro sentido da máxima “Viva e deixe viver”( ...). Indignar-se com a conduta do outro é tão tolo quanto se zangar com uma pedra que rola em seu caminho. – ARTHUR SCHOPENHAUER, filósofo alemão
Nós, seres humanos, somos o mais superior animal social. Centenas de milhares de anos atrás, nossos ancestrais primitivos construíram complexos grupamentos sociais. Para se adaptarem a esse contexto, nossos antepassados evoluíram, formando neurônios-espelho mais refinados e sensíveis que os de outros primatas. Com os neurônios-espelho, eram capazes não só de imitar os indivíduos ao seu redor, mas também de imaginar o que os outros poderiam estar pensando e sentindo, tudo em nível pré-verbal. Essa capacidade de empatia possibilitou um grau de cooperação mais elevado.
Com o desenvolvimento da racionalidade e da linguagem, nossos ancestrais podiam levar mais longe a capacidade de empatia – identificando padrões nos comportamentos alheios e descobrindo suas motivações. Com o passar do tempo, o raciocínio humano se tornou infinitamente mais poderoso e sofisticado. Em tese, todos nós hoje possuímos as ferramentas naturais – empatia e racionalidade – para compreender em profundidade outros seres humanos. Na prática, porém, essas ferramentas continuam em grande parte subaproveitadas, e a explicação para essa eficiência pode ser encontrada na natureza peculiar da infância e na dependência prolongada da prole.
Em comparação com outros animais, nós, humanos, começamos a vida bastante fracos e impotentes. Continuamos relativamente débeis durante muitos anos, antes de sermos capazes de viver por conta própria. Esse longo período de imaturidade, com a duração de 12 a 18 anos, exerce uma função valiosa: possibilita que nos concentremos no desenvolvimento do cérebro – de longe a arma mais poderosa do arsenal humano. Porém, essa infância duradoura tem um preço.
Durante essa fase de debilidade e dependência, temos a necessidade de idealizar os pais. Nossa sobrevivência depende da força e da confiabilidade deles. Reconhecer as fragilidades dos pais nos traria uma ansiedade insuportável. Portanto, vemos esses indivíduos tão importantes para nós como sendo mais fortes, mais capazes e mais altruístas do que são na realidade. Interpretamos as ações deles à luz de nossas necessidades, e, assim, eles se tornam extensões de nós mesmos.
Nessa longa fase de imaturidade, em geral transferimos essas idealizações e distorções aos professores e amigos, projetando neles o que queremos e precisamos ver. Nossa visão das pessoas se impregna de várias emoções – adoração, admiração, amor, necessidade, raiva. Até que, inevitavelmente, quase sempre na adolescência, começamos a vislumbrar o lado menos nobre das pessoas, inclusive dos próprios pais, e não podemos deixar de nos sentir transtornados pela disparidade entre a imaginação e a realidade.
Decepcionados, tendemos a exagerar seus defeitos, da mesma maneira como no passado exagerávamos suas qualidades. Se tivéssemos sido forçados a encarar a realidade mais cedo na vida, as necessidades práticas teriam dominado nosso pensamento e teríamos desenvolvido mais objetividade e realismo. Mas, sendo como é, os muitos anos em que vemos as pessoas através das lentes de nossas necessidades emocionais enraízam o hábito a ponto de mal podermos controlá-lo.
Denominemos esse fenômeno de perspectiva ingênua. Embora seja natural assumir essa posição em razão da singularidade de nossa infância, ela também é perigosa, pois nos envolve em ilusões infantis sobre as pessoas, distorcendo a maneira como as vemos.
Trazemos essa perspectiva conosco para a idade adulta durante a fase de aprendizagem.
Continua...
É preciso reconhecer o direito de cada um de viver de acordo com o próprio caráter, qualquer que seja ele: o importante é que todos se empenhem em fazer uso do caráter alheio de maneira compatível com sua natureza, em vez de tentar mudá-lo e de condená-lo pelo que é. Esse é o verdadeiro sentido da máxima “Viva e deixe viver”( ...). Indignar-se com a conduta do outro é tão tolo quanto se zangar com uma pedra que rola em seu caminho. – ARTHUR SCHOPENHAUER, filósofo alemão
Nós, seres humanos, somos o mais superior animal social. Centenas de milhares de anos atrás, nossos ancestrais primitivos construíram complexos grupamentos sociais. Para se adaptarem a esse contexto, nossos antepassados evoluíram, formando neurônios-espelho mais refinados e sensíveis que os de outros primatas. Com os neurônios-espelho, eram capazes não só de imitar os indivíduos ao seu redor, mas também de imaginar o que os outros poderiam estar pensando e sentindo, tudo em nível pré-verbal. Essa capacidade de empatia possibilitou um grau de cooperação mais elevado.
Com o desenvolvimento da racionalidade e da linguagem, nossos ancestrais podiam levar mais longe a capacidade de empatia – identificando padrões nos comportamentos alheios e descobrindo suas motivações. Com o passar do tempo, o raciocínio humano se tornou infinitamente mais poderoso e sofisticado. Em tese, todos nós hoje possuímos as ferramentas naturais – empatia e racionalidade – para compreender em profundidade outros seres humanos. Na prática, porém, essas ferramentas continuam em grande parte subaproveitadas, e a explicação para essa eficiência pode ser encontrada na natureza peculiar da infância e na dependência prolongada da prole.
Em comparação com outros animais, nós, humanos, começamos a vida bastante fracos e impotentes. Continuamos relativamente débeis durante muitos anos, antes de sermos capazes de viver por conta própria. Esse longo período de imaturidade, com a duração de 12 a 18 anos, exerce uma função valiosa: possibilita que nos concentremos no desenvolvimento do cérebro – de longe a arma mais poderosa do arsenal humano. Porém, essa infância duradoura tem um preço.
Durante essa fase de debilidade e dependência, temos a necessidade de idealizar os pais. Nossa sobrevivência depende da força e da confiabilidade deles. Reconhecer as fragilidades dos pais nos traria uma ansiedade insuportável. Portanto, vemos esses indivíduos tão importantes para nós como sendo mais fortes, mais capazes e mais altruístas do que são na realidade. Interpretamos as ações deles à luz de nossas necessidades, e, assim, eles se tornam extensões de nós mesmos.
Nessa longa fase de imaturidade, em geral transferimos essas idealizações e distorções aos professores e amigos, projetando neles o que queremos e precisamos ver. Nossa visão das pessoas se impregna de várias emoções – adoração, admiração, amor, necessidade, raiva. Até que, inevitavelmente, quase sempre na adolescência, começamos a vislumbrar o lado menos nobre das pessoas, inclusive dos próprios pais, e não podemos deixar de nos sentir transtornados pela disparidade entre a imaginação e a realidade.
Decepcionados, tendemos a exagerar seus defeitos, da mesma maneira como no passado exagerávamos suas qualidades. Se tivéssemos sido forçados a encarar a realidade mais cedo na vida, as necessidades práticas teriam dominado nosso pensamento e teríamos desenvolvido mais objetividade e realismo. Mas, sendo como é, os muitos anos em que vemos as pessoas através das lentes de nossas necessidades emocionais enraízam o hábito a ponto de mal podermos controlá-lo.
Denominemos esse fenômeno de perspectiva ingênua. Embora seja natural assumir essa posição em razão da singularidade de nossa infância, ela também é perigosa, pois nos envolve em ilusões infantis sobre as pessoas, distorcendo a maneira como as vemos.
Trazemos essa perspectiva conosco para a idade adulta durante a fase de aprendizagem.
Continua...