15-09-2016, 01:11 PM
Dia desses, estava trocando uma ideia com o confrade Roland, colega causídico, e um dos grandes participantes do Fórum, sobre um dado ponto de nossas vidas em que nos pomos a refletir com mais profundidade, conferindo [talvez pela primeira vez] a real importância que deve ter o ato de pensar a própria vida.
Nesta reflexão, na maioria das vezes, vamos nos dar conta de que, por um motivo ou outro, não atingimos os objetivos que estabelecemos, ou se os atingimos, não o fizemos com a mesma completude com que os realizávamos em nossa imaginação. Reconheçamos ou não isto, a verdade é que semelhante constatação nos decepciona, seja conosco mesmo, com as outras pessoas ou com a própria vida, de modo que a frustração nos invade o ser, tolhendo-nos as possibilidades que ainda temos de realizar o que falta naquilo que planejamos.
Com base nisso, pensei em apresentar o resultado das minhas próprias reflexões acerca do assunto, sobretudo no que respeita ao sentimento de frustração e a sua relação com o nosso desenvolvimento pessoal, haja vista que o estado a que esta emoção nos conduz, se não for bem canalizada e utilizada, pode nos paralisar as forças, impedindo-nos de agir no prosseguimento daquele progresso que nos interessa.
Eu relutei bastante em escrever aqui estas considerações, por dois motivos principais. O primeiro é que este é um texto a respeito de desenvolvimento pessoal, um tema pelo qual, em verdade, poucos se interessam. O segundo é que, afora isto, se um texto sobre desenvolvimento pessoal mais forte, mais motivador, mais "porreta", que por sua essência é mais atrativo, já não consegue atingir o seu fim, quanto menos um texto permeado de filosofia, carregado de conjecturas as mais abstratas. Mas, não obstante, decidi postá-lo aqui, assim mesmo. Se for de utilidade para alguém, ótimo. Se não o for, ótimo também, pois no processo de pensá-lo e escrevê-lo, eu mesmo cheguei a boas soluções sobre a minha própria vida.
INTRODUÇÃO
O impacto que a frustração exerce em nosso desenvolvimento pessoal é enorme, qualquer que seja a sua natureza, positiva ou negativa. Sim, a frustração sempre afeta o nosso desenvolvimento pessoal, influenciando-o. Esta influência pode ser positiva, se soubermos lidar com este sentimento, ou negativa, como acontece em grande parte das vezes, por não sabermos lidar bem com ele.
Portanto, objetivamos aqui analisar o nexo entre o sentimento de frustração e o trabalho de desenvolvimento pessoal, considerando a sua influenciação recíproca, haja vista que semelhante relação não é de natureza causal, unívoca. Ela dá-se dialeticamente.
Semelhante propósito justifica-se pela necessidade de utilizarmos este sentimento [a frustração] de modo positivo, a nosso favor, em virtude de ser quase impossível evitar que ele brote em nossa mente. Então, se não podemos evitá-la, que aprendamos a utilizá-la beneficamente, já que, isso sim, é possível.
Para tanto, vamos num primeiro momento abordar o nosso entendimento do que seja a frustração, bem como tentar identificar-lhe as causas e origens, para que se faça mais fácil o processo de manejar-lhe a nosso favor, e não mais em nosso prejuízo, como fazemos frequentemente. Após, buscaremos demonstrar alguns meios de transformarmos a frustração em uma força positiva, inclusive com o uso de exemplos práticos. E, por fim, deixaremos em aberto o exame da frustração, pois que do contrário, não seria uma questão filosófica, como de fato o é.
A cada escolha que fazemos, a cada caminho que tomamos [e tomamos um novo caminho a cada novo lance de vida, mesmo que não de forma aparente], nós deixamos de viver outras vidas, de percorrer outros caminhos, que passam para os nossos arquivos mentais como vidas não vividas, caminhos não percorridos. Ocorre que estes registros, por serem de natureza mental, são vivos, repercutindo em toda a nossa manifestação na vida real em que estamos inseridos, aquela que escolhemos ao longo de cada caminho tomado, que é a vida efetivamente vivida.
Para as nossas considerações aqui, tomaremos os termos vida-vivida e vida-não-vivida [bem como o seu plural] ao longo de todo o texto, cabendo então defini-las neste primeiro momento. A vida-vivida é a vida real que é a nossa, a única sobre a qual podemos interferir no mundo das coisas, a realidade palpável que nos emoldura a existência concreta, que serve de cenário à nossa manifestação objetiva; em suma, é o que chamamos de vida ordinária, comum, cotidiana.
De outro lado, a vida-não-vivida é aquela vida que, por algum motivo, não tivemos condições de viver, mas que ainda existe em nossa mente, sobre a qual conjecturamos, refletimos, analisamos e imaginamos, com uma relativa frequência. Esta é a vida que, podendo viver [ou não], não vivemos e, mesmo sabendo não ser a nossa vida real, ainda nos colocamos sob o impacto que ela provoca nesta última, alterando o nosso estado de espírito e influenciando o modo como vivemos a vida-vivida.
Analisando esta questão com mais cuidado, podemos perceber que uma grande parcela da nossa vida mental revela as vidas que não estamos vivendo, aquelas que deixamos passar, que poderíamos viver, mas que, por alguma razão, não as vivemos. Essa razão pode ser as nossas próprias escolhas, óbvio, mas também pode ser algo compulsório, determinado pelas circunstâncias exteriores, sobre as quais não exercemos controle total.
Cada um de nós [salvo raríssimas exceções] deseja e mesmo fantasia experiências, coisas e pessoas que estão ausentes na vida real que é a nossa. Esta ausência é a causa que nos faz pensar, que nos faz refletir, que nos deixa tristes e frustrados. Sim, pois, se tivéssemos a possibilidade de viver, junto a esta, todas as vidas que deixamos passar, ou melhor, se vivêssemos exatamente a vida completa que gostaríamos de viver, não nos entregaríamos a pensamentos e reflexões, em razão de, nesta hipótese, a vida real corresponder à totalidade da vida mental, não deixando espaços para cogitar sobre a vida, pois que a vida já é vivida plenamente no plano das coisas, ou da imanência, como gostam de dizer os filósofos.
Por exemplo, o Messi, possivelmente [estou apenas conjecturando, pois penso que mesmo as vidas mais “completas” em determinado campo deixam os seus autores vulneráveis à influência de outras vidas-não-vividas, de outros campos], não pensa em como poderia ser sua vida como jogador de futebol, pois ela já é em si mesma. Ele a vive na imanência. Diferentemente de um jovem que inicia seus passos na carreira futebolística em alguma escolinha de um clube brasileiro, que imagina e vive sua bem-sucedida carreira no futebol, apenas em sua mente.
Este, provavelmente, vai pensar inúmeras coisas. Vai pensar que poderia ter feito a peneira no Corinthians ou no Flamengo, e não no Águia de Belém do Pará, onde teve que fazer. Quando ele estiver jogando lá na segunda divisão portuguesa, com seus 19 anos, vai pensar que, com o talento que tem, se tivesse feito e passado naquela peneira lá no infantil do Corinthians, poderia hoje estar na primeira divisão do Brasil. Isto lhe causa frustração.
Já o Messi, repito, possivelmente, não pensa em como teria sido sua carreira se, ao invés de ter ido para a Europa aos 13 anos de idade para jogar no Barcelona, tivesse ficado jogando onde já estava, no Newell's Old Boys, ou então se tivesse ido para o River Plate, clube para o qual foi oferecido antes de ir para a Espanha [na verdade, para a Catalunha].
Aos 11 anos de idade, Messi foi diagnosticado com um problema hormonal que retardava o seu desenvolvimento ósseo, para o tratamento do qual fazia-se necessário um procedimento especial e, por isso mesmo, um tanto caro. O Newell’s não quis custeá-lo. Então o pai do garoto ofereceu seu futebol ao River Plate, em troca do tratamento. Este também o recusou. Quem arcou com o tratamento do menino foi o Barcelona. O resto da história todos nós sabemos.
O que nós não sabemos é como teria sido a história de Messi em, no mínimo, três hipóteses: primeira, se ele tivesse continuado no Newell’s; segunda, se ele tivesse ido para o River Plate; terceira, se ele tivesse desistido de jogar profissionalmente. Ele poderia, independente de em qual destes clubes estivesse, ter feito o mesmo tratamento e jogado a mesma bola que ele joga? Claro, é possível. E, jogando na Argentina, poderia ter sido vendido para a Europa depois e ganhado as mesmas, por enquanto, 05 bolas de ouro que ganhou? Sim, é possível. Mas nós nunca saberemos. Messi nunca saberá. E isto não lhe importa, pois ele vive a vida que queria viver. Ele atingiu seus objetivos. Isto não lhe causa frustração.
No caso do aspirante a jogador hipotético, as suas vidas-não-vividas sempre assombrarão a sua vida-vivida. No caso de Messi, como presumimos, não há vida-não-vivida a lhe assombrar a sua vida-vivida, pois que esta última corresponde plenamente à sua vida mental; ou seja, a sua vida mental não dá conta de uma ou outra vida que ele não viveu, pois dentro de seu propósito de vida [ser jogador de futebol profissional], a sua vida-vivida realizou-se em plenitude; ela preenche toda a sua mente.
Este é apenas um exemplo, mas cuja estrutura pode ser usada e alargada para todo e qualquer círculo da vida, qualquer setor de atividade humana. Ele é um exemplo emblemático, excepcional, que deve ser utilizado apenas como parâmetro, claro. Mas a mesma forma de pensá-lo, isso sim, pode ser aplicada em nossas próprias vidas, de “reles mortais”.
O fato de existir necessariamente uma [e apenas uma] vida-vivida, e potencialmente uma ou mais vidas-não-vividas, provoca em nós uma condição de permanência intermediária entre aquela e estas, que em última análise é a causa real de nossas frustrações.
Vivemos, mesmo que não o percebamos, entre a vida de que dispomos e as vidas que gostaríamos de ter, sempre divididos entre elas, nunca completos em uma ou em outras. As vidas-não-vividas são aquelas vidas paralelas, que jamais aconteceram de fato, aquelas que vivemos em nossa imaginação, aquelas com as quais sonhamos e nas quais nos pegamos pensando com frequência.
De que elas se constituem? Basicamente, elas formam-se de dois elementos: daquilo que, podendo escolher, não escolhemos; e daquilo que, não podendo escolher, já nos foi imposto.
Por exemplo, um dos fatos muito lamentados em alguns ambientes virtuais que se dizem da Real é a má genética. A genética é um fato sobre o qual não temos qualquer poder de escolha, a priori. Ao menos, no que se refere ao genótipo [já que sobre o fenótipo temos alguma influência]. Então, se eu nasci com olhos verdes ou castanhos, com o biotipo A ou B, com 1,90m ou 1,60m de altura, não há o que eu possa fazer sobre tal fato. Ponto. [Até há, como usar lentes de outra cor, sapatos com saltos, roupas largas/apertadas, etc., mas isto não modifica a essência da coisa].
Portanto, as frustrações geradas por vidas-não-vividas em razão de circunstâncias completamente alheias ao toque de nossa vontade, devem também ser trabalhadas por nós, pois são tão prejudiciais quanto as frustrações derivadas de vidas-não-vividas em razão de escolhas nossas. Mas, sobre estas últimas, o condão de nossa vontade pode [e deve] atuar com mais vigor.
Assim, uma outra reclamação muito recorrente, que é a da timidez, não pode ser tratada com o mesmo impacto com que é tratada a questão da genética, pelo simples motivo de que sobre o acanhamento nós podemos [e devemos] exercer toda a força do nosso arbítrio.
No que depende de nossas escolhas, o que forma as nossas vidas-não-vividas são: os riscos que não corremos; as oportunidades que dispensamos; os contatos que evitamos; os sofrimentos dos quais nos desviamos; o trabalho de que abrimos mão; as pessoas de quem nos afastamos; em suma, os caminhos que não percorremos por não estarmos dispostos a pagar o preço necessário para segui-lo [pois cada caminho, em qualquer direção, que escolhemos percorrer na vida, nos cobra um preço em conformidade com a sua natureza e extensão].
As vidas-não-vividas, portanto, são assim consideradas porque acreditamos que, em algum momento, elas nos foram oferecidas, mas por alguma razão qualquer não nos foi possível vivê-las. E tudo o que não se faz possível passa a ocupar facilmente um espaço grande em nossa mente; tudo o que não é possível se torna um tema recorrente em nossa vida.
Daí, existem duas consequências possíveis: a nossa vida-vivida se torna um luto prolongado; ou ela se converte em um infindável rosário de queixas e lamúrias por aquilo que não fomos capazes de viver. No primeiro caso, tem-se o torpor, a inércia, a apatia; no segundo caso, há uma energia, mas mal direcionada, enfurecida, revoltada, que provoca tão ou mais prejuízo que a debilidade.
Em resumo, o que temos até agora: não nos é possível viver tudo, logo, escolhemos sempre o que viver. Ao escolher o que viver, necessariamente, abrimos mão de tudo o que não é aquilo que escolhemos viver. Junto a isso, as circunstâncias exteriores nos impõem limites que definem, por eles mesmos, o que vamos viver em dado ponto. Tudo isso cumulado faz com que tenhamos uma vida que vivemos no mundo real e uma ou mais vidas que não vivemos no mundo real, mas que habitam a nossa vida mental, de uma ou de outra maneira. A vida mental abrange a soma da vida-vivida e das vidas-não-vividas, mesmo às que não chegamos pelo puro intelecto, mas que atingimos pela intuição. O abismo entre a vida-vivida e as vidas-não-vividas é a causa primária das frustrações que carregamos. Estas frustrações assumem diversas formas que nos incomodam em tudo que fazemos na vida-vivida, ora mais, ora menos, conforme o bom ou o mau controle que impomos sobre a sua manifestação. Tudo o que é frustração torna-se tema recorrente em nossa vida-vivida. Essa recorrência da frustração nos faz entrar ou em um estado de luto, em que se nos paralisam as forças, ou em uma condição de lamúria continuada e revoltada, em que nossas forças são desperdiçadas por falta de boa direção. Estas duas disposições interiores nos são prejudiciais e nos impedem de viver mesmo o que ainda é possível na vida-vivida, limitando-a ainda mais.
Isto posto, avancemos.
(CONTINUA...)
Nesta reflexão, na maioria das vezes, vamos nos dar conta de que, por um motivo ou outro, não atingimos os objetivos que estabelecemos, ou se os atingimos, não o fizemos com a mesma completude com que os realizávamos em nossa imaginação. Reconheçamos ou não isto, a verdade é que semelhante constatação nos decepciona, seja conosco mesmo, com as outras pessoas ou com a própria vida, de modo que a frustração nos invade o ser, tolhendo-nos as possibilidades que ainda temos de realizar o que falta naquilo que planejamos.
Com base nisso, pensei em apresentar o resultado das minhas próprias reflexões acerca do assunto, sobretudo no que respeita ao sentimento de frustração e a sua relação com o nosso desenvolvimento pessoal, haja vista que o estado a que esta emoção nos conduz, se não for bem canalizada e utilizada, pode nos paralisar as forças, impedindo-nos de agir no prosseguimento daquele progresso que nos interessa.
Eu relutei bastante em escrever aqui estas considerações, por dois motivos principais. O primeiro é que este é um texto a respeito de desenvolvimento pessoal, um tema pelo qual, em verdade, poucos se interessam. O segundo é que, afora isto, se um texto sobre desenvolvimento pessoal mais forte, mais motivador, mais "porreta", que por sua essência é mais atrativo, já não consegue atingir o seu fim, quanto menos um texto permeado de filosofia, carregado de conjecturas as mais abstratas. Mas, não obstante, decidi postá-lo aqui, assim mesmo. Se for de utilidade para alguém, ótimo. Se não o for, ótimo também, pois no processo de pensá-lo e escrevê-lo, eu mesmo cheguei a boas soluções sobre a minha própria vida.
INTRODUÇÃO
O impacto que a frustração exerce em nosso desenvolvimento pessoal é enorme, qualquer que seja a sua natureza, positiva ou negativa. Sim, a frustração sempre afeta o nosso desenvolvimento pessoal, influenciando-o. Esta influência pode ser positiva, se soubermos lidar com este sentimento, ou negativa, como acontece em grande parte das vezes, por não sabermos lidar bem com ele.
Portanto, objetivamos aqui analisar o nexo entre o sentimento de frustração e o trabalho de desenvolvimento pessoal, considerando a sua influenciação recíproca, haja vista que semelhante relação não é de natureza causal, unívoca. Ela dá-se dialeticamente.
Semelhante propósito justifica-se pela necessidade de utilizarmos este sentimento [a frustração] de modo positivo, a nosso favor, em virtude de ser quase impossível evitar que ele brote em nossa mente. Então, se não podemos evitá-la, que aprendamos a utilizá-la beneficamente, já que, isso sim, é possível.
Para tanto, vamos num primeiro momento abordar o nosso entendimento do que seja a frustração, bem como tentar identificar-lhe as causas e origens, para que se faça mais fácil o processo de manejar-lhe a nosso favor, e não mais em nosso prejuízo, como fazemos frequentemente. Após, buscaremos demonstrar alguns meios de transformarmos a frustração em uma força positiva, inclusive com o uso de exemplos práticos. E, por fim, deixaremos em aberto o exame da frustração, pois que do contrário, não seria uma questão filosófica, como de fato o é.
A cada escolha que fazemos, a cada caminho que tomamos [e tomamos um novo caminho a cada novo lance de vida, mesmo que não de forma aparente], nós deixamos de viver outras vidas, de percorrer outros caminhos, que passam para os nossos arquivos mentais como vidas não vividas, caminhos não percorridos. Ocorre que estes registros, por serem de natureza mental, são vivos, repercutindo em toda a nossa manifestação na vida real em que estamos inseridos, aquela que escolhemos ao longo de cada caminho tomado, que é a vida efetivamente vivida.
Para as nossas considerações aqui, tomaremos os termos vida-vivida e vida-não-vivida [bem como o seu plural] ao longo de todo o texto, cabendo então defini-las neste primeiro momento. A vida-vivida é a vida real que é a nossa, a única sobre a qual podemos interferir no mundo das coisas, a realidade palpável que nos emoldura a existência concreta, que serve de cenário à nossa manifestação objetiva; em suma, é o que chamamos de vida ordinária, comum, cotidiana.
De outro lado, a vida-não-vivida é aquela vida que, por algum motivo, não tivemos condições de viver, mas que ainda existe em nossa mente, sobre a qual conjecturamos, refletimos, analisamos e imaginamos, com uma relativa frequência. Esta é a vida que, podendo viver [ou não], não vivemos e, mesmo sabendo não ser a nossa vida real, ainda nos colocamos sob o impacto que ela provoca nesta última, alterando o nosso estado de espírito e influenciando o modo como vivemos a vida-vivida.
Analisando esta questão com mais cuidado, podemos perceber que uma grande parcela da nossa vida mental revela as vidas que não estamos vivendo, aquelas que deixamos passar, que poderíamos viver, mas que, por alguma razão, não as vivemos. Essa razão pode ser as nossas próprias escolhas, óbvio, mas também pode ser algo compulsório, determinado pelas circunstâncias exteriores, sobre as quais não exercemos controle total.
Cada um de nós [salvo raríssimas exceções] deseja e mesmo fantasia experiências, coisas e pessoas que estão ausentes na vida real que é a nossa. Esta ausência é a causa que nos faz pensar, que nos faz refletir, que nos deixa tristes e frustrados. Sim, pois, se tivéssemos a possibilidade de viver, junto a esta, todas as vidas que deixamos passar, ou melhor, se vivêssemos exatamente a vida completa que gostaríamos de viver, não nos entregaríamos a pensamentos e reflexões, em razão de, nesta hipótese, a vida real corresponder à totalidade da vida mental, não deixando espaços para cogitar sobre a vida, pois que a vida já é vivida plenamente no plano das coisas, ou da imanência, como gostam de dizer os filósofos.
Por exemplo, o Messi, possivelmente [estou apenas conjecturando, pois penso que mesmo as vidas mais “completas” em determinado campo deixam os seus autores vulneráveis à influência de outras vidas-não-vividas, de outros campos], não pensa em como poderia ser sua vida como jogador de futebol, pois ela já é em si mesma. Ele a vive na imanência. Diferentemente de um jovem que inicia seus passos na carreira futebolística em alguma escolinha de um clube brasileiro, que imagina e vive sua bem-sucedida carreira no futebol, apenas em sua mente.
Este, provavelmente, vai pensar inúmeras coisas. Vai pensar que poderia ter feito a peneira no Corinthians ou no Flamengo, e não no Águia de Belém do Pará, onde teve que fazer. Quando ele estiver jogando lá na segunda divisão portuguesa, com seus 19 anos, vai pensar que, com o talento que tem, se tivesse feito e passado naquela peneira lá no infantil do Corinthians, poderia hoje estar na primeira divisão do Brasil. Isto lhe causa frustração.
Já o Messi, repito, possivelmente, não pensa em como teria sido sua carreira se, ao invés de ter ido para a Europa aos 13 anos de idade para jogar no Barcelona, tivesse ficado jogando onde já estava, no Newell's Old Boys, ou então se tivesse ido para o River Plate, clube para o qual foi oferecido antes de ir para a Espanha [na verdade, para a Catalunha].
Aos 11 anos de idade, Messi foi diagnosticado com um problema hormonal que retardava o seu desenvolvimento ósseo, para o tratamento do qual fazia-se necessário um procedimento especial e, por isso mesmo, um tanto caro. O Newell’s não quis custeá-lo. Então o pai do garoto ofereceu seu futebol ao River Plate, em troca do tratamento. Este também o recusou. Quem arcou com o tratamento do menino foi o Barcelona. O resto da história todos nós sabemos.
O que nós não sabemos é como teria sido a história de Messi em, no mínimo, três hipóteses: primeira, se ele tivesse continuado no Newell’s; segunda, se ele tivesse ido para o River Plate; terceira, se ele tivesse desistido de jogar profissionalmente. Ele poderia, independente de em qual destes clubes estivesse, ter feito o mesmo tratamento e jogado a mesma bola que ele joga? Claro, é possível. E, jogando na Argentina, poderia ter sido vendido para a Europa depois e ganhado as mesmas, por enquanto, 05 bolas de ouro que ganhou? Sim, é possível. Mas nós nunca saberemos. Messi nunca saberá. E isto não lhe importa, pois ele vive a vida que queria viver. Ele atingiu seus objetivos. Isto não lhe causa frustração.
No caso do aspirante a jogador hipotético, as suas vidas-não-vividas sempre assombrarão a sua vida-vivida. No caso de Messi, como presumimos, não há vida-não-vivida a lhe assombrar a sua vida-vivida, pois que esta última corresponde plenamente à sua vida mental; ou seja, a sua vida mental não dá conta de uma ou outra vida que ele não viveu, pois dentro de seu propósito de vida [ser jogador de futebol profissional], a sua vida-vivida realizou-se em plenitude; ela preenche toda a sua mente.
Este é apenas um exemplo, mas cuja estrutura pode ser usada e alargada para todo e qualquer círculo da vida, qualquer setor de atividade humana. Ele é um exemplo emblemático, excepcional, que deve ser utilizado apenas como parâmetro, claro. Mas a mesma forma de pensá-lo, isso sim, pode ser aplicada em nossas próprias vidas, de “reles mortais”.
O fato de existir necessariamente uma [e apenas uma] vida-vivida, e potencialmente uma ou mais vidas-não-vividas, provoca em nós uma condição de permanência intermediária entre aquela e estas, que em última análise é a causa real de nossas frustrações.
Vivemos, mesmo que não o percebamos, entre a vida de que dispomos e as vidas que gostaríamos de ter, sempre divididos entre elas, nunca completos em uma ou em outras. As vidas-não-vividas são aquelas vidas paralelas, que jamais aconteceram de fato, aquelas que vivemos em nossa imaginação, aquelas com as quais sonhamos e nas quais nos pegamos pensando com frequência.
De que elas se constituem? Basicamente, elas formam-se de dois elementos: daquilo que, podendo escolher, não escolhemos; e daquilo que, não podendo escolher, já nos foi imposto.
Por exemplo, um dos fatos muito lamentados em alguns ambientes virtuais que se dizem da Real é a má genética. A genética é um fato sobre o qual não temos qualquer poder de escolha, a priori. Ao menos, no que se refere ao genótipo [já que sobre o fenótipo temos alguma influência]. Então, se eu nasci com olhos verdes ou castanhos, com o biotipo A ou B, com 1,90m ou 1,60m de altura, não há o que eu possa fazer sobre tal fato. Ponto. [Até há, como usar lentes de outra cor, sapatos com saltos, roupas largas/apertadas, etc., mas isto não modifica a essência da coisa].
Portanto, as frustrações geradas por vidas-não-vividas em razão de circunstâncias completamente alheias ao toque de nossa vontade, devem também ser trabalhadas por nós, pois são tão prejudiciais quanto as frustrações derivadas de vidas-não-vividas em razão de escolhas nossas. Mas, sobre estas últimas, o condão de nossa vontade pode [e deve] atuar com mais vigor.
Assim, uma outra reclamação muito recorrente, que é a da timidez, não pode ser tratada com o mesmo impacto com que é tratada a questão da genética, pelo simples motivo de que sobre o acanhamento nós podemos [e devemos] exercer toda a força do nosso arbítrio.
No que depende de nossas escolhas, o que forma as nossas vidas-não-vividas são: os riscos que não corremos; as oportunidades que dispensamos; os contatos que evitamos; os sofrimentos dos quais nos desviamos; o trabalho de que abrimos mão; as pessoas de quem nos afastamos; em suma, os caminhos que não percorremos por não estarmos dispostos a pagar o preço necessário para segui-lo [pois cada caminho, em qualquer direção, que escolhemos percorrer na vida, nos cobra um preço em conformidade com a sua natureza e extensão].
As vidas-não-vividas, portanto, são assim consideradas porque acreditamos que, em algum momento, elas nos foram oferecidas, mas por alguma razão qualquer não nos foi possível vivê-las. E tudo o que não se faz possível passa a ocupar facilmente um espaço grande em nossa mente; tudo o que não é possível se torna um tema recorrente em nossa vida.
Daí, existem duas consequências possíveis: a nossa vida-vivida se torna um luto prolongado; ou ela se converte em um infindável rosário de queixas e lamúrias por aquilo que não fomos capazes de viver. No primeiro caso, tem-se o torpor, a inércia, a apatia; no segundo caso, há uma energia, mas mal direcionada, enfurecida, revoltada, que provoca tão ou mais prejuízo que a debilidade.
Em resumo, o que temos até agora: não nos é possível viver tudo, logo, escolhemos sempre o que viver. Ao escolher o que viver, necessariamente, abrimos mão de tudo o que não é aquilo que escolhemos viver. Junto a isso, as circunstâncias exteriores nos impõem limites que definem, por eles mesmos, o que vamos viver em dado ponto. Tudo isso cumulado faz com que tenhamos uma vida que vivemos no mundo real e uma ou mais vidas que não vivemos no mundo real, mas que habitam a nossa vida mental, de uma ou de outra maneira. A vida mental abrange a soma da vida-vivida e das vidas-não-vividas, mesmo às que não chegamos pelo puro intelecto, mas que atingimos pela intuição. O abismo entre a vida-vivida e as vidas-não-vividas é a causa primária das frustrações que carregamos. Estas frustrações assumem diversas formas que nos incomodam em tudo que fazemos na vida-vivida, ora mais, ora menos, conforme o bom ou o mau controle que impomos sobre a sua manifestação. Tudo o que é frustração torna-se tema recorrente em nossa vida-vivida. Essa recorrência da frustração nos faz entrar ou em um estado de luto, em que se nos paralisam as forças, ou em uma condição de lamúria continuada e revoltada, em que nossas forças são desperdiçadas por falta de boa direção. Estas duas disposições interiores nos são prejudiciais e nos impedem de viver mesmo o que ainda é possível na vida-vivida, limitando-a ainda mais.
Isto posto, avancemos.
(CONTINUA...)
"Trata de saborear a vida; e fica sabendo, que a pior filosofia é a do choramingas que se deita à margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas. O ofício delas é não parar nunca; acomoda-te com a lei, e trata de aproveitá-la." - Trecho de Memórias Póstumas de Brás Cubas