07-01-2016, 12:13 PM
Confrades, eu li essa matéria e achei sensacional. Vou postar a fonte quando eu colocar todas as partes. Já aviso que é gigantesco.
Resolvi compartilhar para aumentar a quantidade desse tipo de informação aqui no fórum e também para mostrar como que uma ideologia pode ganhar poder dentro de uma nação.
Interessante notar na história do comunismo as estruturas de poder que vão sendo construídas com o tempo e como o engano se multiplica.
Alguém saberia me indicar algum livro, documentário ou algo tipo falando sobre o fim da União Soviética e sua abertura? Acho fascinante o fato de um império tão grande ter desmoronado, e queria entender isso melhor.
Em plena ditadura militar, na década de 70, um homem em crise de consciência resolve dar com a língua nos dentes e entregar todo o esquema de colaboração entre a União Soviética e o Partido Comunista Brasileiro. A reportagem que vai abaixo é a reprodução do que foi publicado no Jornal do Brasil de 3 de dezembro de 1972. Nela, nosso desertor identifica-se como “Agente Carlos” e, dias depois, apresentando provas documentais, revela sua identidade. Seu nome é Adauto Alves dos Santos, jornalista, membro do Comitê Central do PCB e figura muito próxima a Luis Carlos Prestes.
Adauto entrega um verdadeiro dossiê à imprensa, com documentos, nomes e a descrição detalhada das atividades ilegais de estrangeiros no Brasil, ou seja, agentes da KGB vivendo e circulando no Rio de Janeiro em pleno regime militar. Relata em detalhes como os comunistas eram financiados em grandes quantidades de dólar. O testemunho de Adauto é riquíssimo para a nossa história. Como de praxe, meia dúzia de marxistas o acusaram de ser um “Agente da CIA.” Assim, em troca da redenção dada à sua própria consciência, ele passa a ser alvo de uma campanha de difamação e vítima de um “câncer de estômago.”
Aqui vale o parenteses. No livro "Desinformação", de autoria do General Ion Mihai Pacepa, desertor do serviço secreto romeno, é contado como vários dissidentes do regime de Moscou foram assassinados por envenenamento de substâncias radiotivas, como a Radu, capaz de desenvolver câncer em quem a ingerisse. Não há provas concretas para a origem da doença de Adauto, mas sobram suspeitas.
Por fim, não deixe de assistir ao vídeo postado logo após a reprodução da reportagem. Ele traça uma importante conexão entre as denúncias de Adauto e documentos extraviados da União Soviética pelo dissidente russo Vladimir Bukovsky.
Agora vamos à publicação do Jornal do Brasil.
JORNAL DO BRASIL – Domingo, 3/12/72 – 1.° Caderno. p. 5
Agente do PCB denuncia subversão no Brasil
Um golpe comunista na Guatemala, a volta de Roberto Morena ao Brasil e as relações do Partido Comunista Brasileiro com a União Soviética, Cuba e com a América Latina, em geral, foram denunciados ao JORNAL DO BRASIL, numa entrevista secreta, pelo agente Carlos (ou Alcindo), que durante 20 anos militou ativamente no PC, sendo nos últimos tempos o braço-direito de Luis Carlos Prestes.
Com um câncer no estômago e animado pela recente publicação do caso da estudante gaúcha Judite Fasolini Zanatta, induzida numa universidade belga a defender uma tese cheia de ataques ao Brasil, Carlos (ou Alcindo) escreveu à direção do JORNAL DO BRASIL, dispondo-se a “denunciar com nomes, fatos e locais, toda a trama comunista em relação ao Brasil, bem como todas as maquinações do Movimento Comunista Internacional.”
CARTA
É a seguinte, na íntegra, a carta de Carlos:
“Li na edição de domingo, dia 19 do corrente, desse conceituado Jornal, a denúncia feita pela senhorita Judite Fasolini Zanatta, ficando muito feliz com a receptividade e acolhida que o assunto recebeu.
Essa matéria deu-me a coragem e a certeza necessárias de que, por maiores razões, as denúncias e dados que possuo para relatar terão, possivelmente, a mesma acolhida. Afianço-lhes que estou em condições de denunciar com nomes, fatos e locais, toda trama comunista em relação ao Brasil, bem como todas as maquinações do Movimento o Comunista Internacional, não podendo guardar comigo semelhantes coisas pelos motivos que explicarei posteriormente. Posso, contudo, adiantar que fui uma das figuras de tais acontecimentos, estando disposto a conceder uma entrevista em dia, local e hora que marcarei pelo telefone. Tomo essas precauções por questões de segurança, uma vez que nesse momento temo por minha vida. Para esse contato, usarei o seguinte código: me identificarei como Carlos, e o Sr., ao atender ao telefone, dirá apenas: sou amigo da verdade. Desde já agradeço.”
CARLOS
Carlos, 20 anos depois, subitamente descobre que o PCB — na intimidade chamado Partidão – é um antro de intrigas e vaidades pessoais, com gente de boa e má-fé, teóricos e aproveitadores, sobretudo aproveitadores. Seu alto nível de militância, conhecedor profundo do PCB e do MCI (Movimento Comunista Internacional), gozando de todos os privilégios e atenções junto aos figurões do Partido, Carlos sempre foi homem da inteira confiança de Prestes. Magro, bigodinho, óculos de lentes grossas, falante, Carlos tem 43 anos e uma vida pessoal complicada. O Partido não lhe deixou tempo para constituir uma família organizada como a de todo o mundo. Jornalista profissional, trabalhou na Folha de Minas e em alguns outros jornais do Rio e de Belo Horizonte. Mas o jornalismo era apenas a sua “frente legal.” Na verdade, nas últimos 20 anos não foi senão um profissional do Partido, e há pelo menos dez ou 12 anos atua na área Internacional, fazendo contatos com os Partidos comunistas estrangeiros, em especial na América Latina. — Durante todo esse tempo — diz ele — atuei ao lado de Luis Carlos Prestes, secretário-geral e chefe da Seção de Relações Exteriores do partido, e de Fued Saad, que respondia pelo setor de relações com os países comunistas, e em especial com agentes da KGB, que é, em outras palavras, a espionagem soviética.
Segundo Carlos, o Sr. Luis Carlos Prestes vive hoje em Moscou, para onde se transferiu em março do ano passado. Mora num confortável apartamento da Rua Gorki, com a mulher e os sete filhos. De suas janelas, pode ver o Kremlin e assistir aos desfiles militares. Dispõe de carro com motorista e interprete, gozando de grande prestígio junto à cúpula comunista.
— Já estive quatro vezes na União Soviética — disse — em missão oficial do Partido Comunista Brasileiro. Pude observar pessoalmente que o povo russo é desinformado, manietado, desapontado. O Estado controla tudo, e o descontentamento é abafado sob rígido aparelho repressor. Por isso creio que um homem deve saber tomar posições para mudar seu modo de vida, principalmente quando esse gesto visa, fundamentalmente, atingir interesses coletivos. Eu tomei a minha e desejo dedicar esta opção aos meus filhos. Agora, vamos aos fatos que me levaram a tomar esta atitude. Em primeiro lugar, causou-me enorme impacto a invasão da Tcheco-Eslováquia, em 1968, por tropas soviéticas, desmentindo claramente a ideia de que os partidos comunistas estrangeiros tinham liberdade para desenvolver seu próprio caráter e suas aspirações nacionais. Os soviéticos não podem tolerar isto e, mais uma vez, exerceram seu domínio usando a força militar. Olhei para meu próprio partido e para meus camaradas e vi que na divisão de opiniões que ocorreu naquela oportunidade, os membros do partido que se opunham foram segregados e a liderança dominada pelos soviéticos seguiu em frente, cegamente, aceitando a linha de Moscou. Naquele momento, quando senti que a maioria dos Partidos Comunistas apoiava o ataque militar, abafando o anseio de desenvolvimento independente e nacional de um povo, desiludi-me. Foi uma séria decepção. Os soviéticos não admitem que cada país desenvolva nenhuma ideia de caráter nacional e independente, não toleram nada que contrarie seus conceitos, seus propósitos Ideológicos e suas tentativas de dominar o mundo. Aqui no Brasil, quando da traiçoeira invasão ao território tcheco, muitos militantes que discordaram do ato de selvageria foram afastados do partido; outros, ficaram marcados pelos soviéticos, mesmo continuando nas fileiras partidárias como Roberto Morena, Armênio Guedes, Moisés Vinhas etc.
A Propósito do Sr. Roberto Morena, Carlos Informa que, transferido para Praga, sob pressão, por ter discordado da invasão à Tcheco-eslováquia, aquele líder pediu à Comissão Executiva do Comitê Central que lhe desse autorização para regressar ao Brasil.
KGB
— Em Moscou — continua Carlos — hospedado em hotel de alta categoria, destinado exclusivamente a dirigentes dos partidos comunistas de todas as partes do globo, fui procurado por agentes do KGB, o serviço de espionagem soviética, que desejavam recrutar-me como agente exclusivo para conseguir dados e materiais sobre assuntos políticos, sociais e econômicos do Brasil e de outros países ocidentais. Queriam, também, informações minuciosas a respeito dos partidos comunistas latino-americanos e de seus dirigentes. Tudo, evidentemente, em virtude do meu trabalho e acesso a essas organizações na América Latina. Imediatamente levei o assunto ao conhecimento de Prestes, que me aconselhou a não aceitar a proposta dos serviços de Inteligência da União Soviética, porque isso me sobrecarregaria e poderia prejudicar minhas funções como auxiliar do Comitê Central. O próprio Prestes se encarregou de abordar o problema com os russos. Isto se deu em 1970. No ano seguinte houve nova Investida, também em Moscou, e novamente Prestes, amparado pela Comissão Executiva do Partido Comunista Brasileiro, voltou a discordar. Novas escusas e explicações de ambos os lados. Na verdade, a intenção dos soviéticos era colocar-me como marionete, a seu serviço, dando toda prioridade às suas determinações em detrimento dos interesses do Partido no Brasil. Cheguei a essa conclusão porque, não obstante a negativa de Prestes, o KGB continuava a insistir, assediando-me a todo momento. As tentativas eram feitas sobretudo por telefone, e a pretexto de perguntar pelo Fued Saad, que se encontrava no Rio. O fato evidencia o propósito soviético de agir sempre à revelia da orientação dos partidos.
RELAÇÕES INTERNAS
Por ocasião do VI Congresso, em 1967, foi criada a Seção de Relações Exteriores do Comitê Central, e Luis Carlos Prestes, pessoalmente, passou a responder pelos destinos dessa seção perante o Comité Central e a Comissão Executiva, tendo sido destacado o médico Fued Saad, antigo profissional do Partido como segundo homem em termos de responsabilidade. Naquela mesma oportunidade, fui indicado para atuar no lado dos dois. Tempos depois, veio Juntar-se á Seção o jornalista Aluísio Santos Filho, com curso na Escola de Formação de Quadros Profissionais, sediada em Moscou
Segundo Carlos, a Seção de Relações Exteriores tinha o objetivo de manter contatos com Partidos de outros países, recebendo e mandando material de propaganda, trocando informações, recebendo emissários estrangeiros, mantendo correspondência com o exterior:
— Uma das incumbências mais categorizadas do Serviço de Relações Exteriores no Brasil — prossegue — era o contato com as representações do bloco socialista. O jornalista Aluísio Santos Filho, por exemplo, era incumbida de uma certa Embaixada, e Fued Saad era responsável pelos soviéticos. Diversas vezes sai com Fued Saad, dirigindo o meu carro, para fazer contato, com agentes soviéticos no Rio de Janeiro. Os locais variavam. Mas posso citar Praça Verduns, esquinas das Ruas Abatira e Agariba; a Rua Itacuruça, próximo à Rua Conde de Bonfim, na Tijuca. Na Zona Sul, registraram-se encontros nas esquinas das Ruas Barão da Torre e Montenegro. Nessas ocasiões, Fued Saad conduzia pacotes de material do Partido para os soviéticos dentro de uma pasta de couro grande e recebia de volta, igualmente, dentro de outra pasta de couro, enorme quantidade de impressos, livros. Jornais, etc. Às vezes, Fued Saad recebia envelopes contendo grandes somas em dólares, e inúmeras vezes o vi firmar recibos dentro do meu carro, ouvindo dele o comentário de que não gostava de estar correndo o risco de receber dólares daquela maneira. Os agentes soviéticos incumbiam-se de toda a segurança para esses encontros. Quando havia necessidade de um contato de emergência, os soviéticos, usando linguagem comercial ou bancária, chamavam-me pelo telefone de minha residência. Fued Saad, por sua vez, quando desejava falar com os russos, fazia um sinal com giz num poste da esquina da Rua Gago Continha com Marquesa de Santos. Várias vezes estivemos juntos cumprindo aquela missão. Por outro lado, para facilitar a chegada de dinheiro e material para os comunistas aqui no Brasil, os russos utilizavam os mais variados expedientes. Em contrapartida, quando na direção do Partido tinha Interesse em enviar alguma correspondência especial, particularmente para Prestes, era Fued Saad que fazia a entrega ao contato dos agentes. Tudo isto já era rotina, embora se fizesse sempre de modo muito cauteloso. Pessoalmente, cheguei a conhecer dois desses soviéticos que faziam contato com Fued Saad no Rio. Seus nomes: Nikolai Blagushin e Victor Yemelin, ambos pertencentes à Missão Comercial da URSS no Rio. Outro que fazia contato, não somente com Fued Saad mas com o próprio Prestes, era Orlov. Assim é que atua o KGB, valendo-se dos meios comerciais além e outros, como fachada para suas atividades. O serviço de espionagem da URSS usa não apenas os Partidos comunistas para seu trabalho, mas, também, todos os meios possíveis e imagináveis, em aberto, acinte á soberania das nações com as quais mantém relações.
— Na primavera de 1971, Victor Yemelin, um dos elementos da área de contato a que me referi — disse — submeteu-se a uma operação cirúrgica, ocasião em que os encontros foram suspensos temporariamente. Fued Saad, vendo-se em dificuldades para cumprir as tarefas dadas pela Comissão Executiva do Partido, pediu-me Para ir pessoalmente á Missão Comercial russa, na Rua Visconde de Albuquerque, para receber e transmitir algumas informações. Alegando razões de segurança, argumentei que não seria aconselhável a minha ida a esse local. Fued Saad concordou e sugeriu que falássemos com uma determinada pessoa, de certa empresa construtora da Guanabara, para essa tarefa. Essa pessoa faz parte da Seção de Negócios do Comitê Central do PCB. Abstenho-me de citar-lhe o nome por motivos de ordem pessoal.
continua...
Resolvi compartilhar para aumentar a quantidade desse tipo de informação aqui no fórum e também para mostrar como que uma ideologia pode ganhar poder dentro de uma nação.
Interessante notar na história do comunismo as estruturas de poder que vão sendo construídas com o tempo e como o engano se multiplica.
Alguém saberia me indicar algum livro, documentário ou algo tipo falando sobre o fim da União Soviética e sua abertura? Acho fascinante o fato de um império tão grande ter desmoronado, e queria entender isso melhor.
Em plena ditadura militar, na década de 70, um homem em crise de consciência resolve dar com a língua nos dentes e entregar todo o esquema de colaboração entre a União Soviética e o Partido Comunista Brasileiro. A reportagem que vai abaixo é a reprodução do que foi publicado no Jornal do Brasil de 3 de dezembro de 1972. Nela, nosso desertor identifica-se como “Agente Carlos” e, dias depois, apresentando provas documentais, revela sua identidade. Seu nome é Adauto Alves dos Santos, jornalista, membro do Comitê Central do PCB e figura muito próxima a Luis Carlos Prestes.
Adauto entrega um verdadeiro dossiê à imprensa, com documentos, nomes e a descrição detalhada das atividades ilegais de estrangeiros no Brasil, ou seja, agentes da KGB vivendo e circulando no Rio de Janeiro em pleno regime militar. Relata em detalhes como os comunistas eram financiados em grandes quantidades de dólar. O testemunho de Adauto é riquíssimo para a nossa história. Como de praxe, meia dúzia de marxistas o acusaram de ser um “Agente da CIA.” Assim, em troca da redenção dada à sua própria consciência, ele passa a ser alvo de uma campanha de difamação e vítima de um “câncer de estômago.”
Aqui vale o parenteses. No livro "Desinformação", de autoria do General Ion Mihai Pacepa, desertor do serviço secreto romeno, é contado como vários dissidentes do regime de Moscou foram assassinados por envenenamento de substâncias radiotivas, como a Radu, capaz de desenvolver câncer em quem a ingerisse. Não há provas concretas para a origem da doença de Adauto, mas sobram suspeitas.
Por fim, não deixe de assistir ao vídeo postado logo após a reprodução da reportagem. Ele traça uma importante conexão entre as denúncias de Adauto e documentos extraviados da União Soviética pelo dissidente russo Vladimir Bukovsky.
Agora vamos à publicação do Jornal do Brasil.
JORNAL DO BRASIL – Domingo, 3/12/72 – 1.° Caderno. p. 5
Agente do PCB denuncia subversão no Brasil
Um golpe comunista na Guatemala, a volta de Roberto Morena ao Brasil e as relações do Partido Comunista Brasileiro com a União Soviética, Cuba e com a América Latina, em geral, foram denunciados ao JORNAL DO BRASIL, numa entrevista secreta, pelo agente Carlos (ou Alcindo), que durante 20 anos militou ativamente no PC, sendo nos últimos tempos o braço-direito de Luis Carlos Prestes.
Com um câncer no estômago e animado pela recente publicação do caso da estudante gaúcha Judite Fasolini Zanatta, induzida numa universidade belga a defender uma tese cheia de ataques ao Brasil, Carlos (ou Alcindo) escreveu à direção do JORNAL DO BRASIL, dispondo-se a “denunciar com nomes, fatos e locais, toda a trama comunista em relação ao Brasil, bem como todas as maquinações do Movimento Comunista Internacional.”
CARTA
É a seguinte, na íntegra, a carta de Carlos:
“Li na edição de domingo, dia 19 do corrente, desse conceituado Jornal, a denúncia feita pela senhorita Judite Fasolini Zanatta, ficando muito feliz com a receptividade e acolhida que o assunto recebeu.
Essa matéria deu-me a coragem e a certeza necessárias de que, por maiores razões, as denúncias e dados que possuo para relatar terão, possivelmente, a mesma acolhida. Afianço-lhes que estou em condições de denunciar com nomes, fatos e locais, toda trama comunista em relação ao Brasil, bem como todas as maquinações do Movimento o Comunista Internacional, não podendo guardar comigo semelhantes coisas pelos motivos que explicarei posteriormente. Posso, contudo, adiantar que fui uma das figuras de tais acontecimentos, estando disposto a conceder uma entrevista em dia, local e hora que marcarei pelo telefone. Tomo essas precauções por questões de segurança, uma vez que nesse momento temo por minha vida. Para esse contato, usarei o seguinte código: me identificarei como Carlos, e o Sr., ao atender ao telefone, dirá apenas: sou amigo da verdade. Desde já agradeço.”
CARLOS
Carlos, 20 anos depois, subitamente descobre que o PCB — na intimidade chamado Partidão – é um antro de intrigas e vaidades pessoais, com gente de boa e má-fé, teóricos e aproveitadores, sobretudo aproveitadores. Seu alto nível de militância, conhecedor profundo do PCB e do MCI (Movimento Comunista Internacional), gozando de todos os privilégios e atenções junto aos figurões do Partido, Carlos sempre foi homem da inteira confiança de Prestes. Magro, bigodinho, óculos de lentes grossas, falante, Carlos tem 43 anos e uma vida pessoal complicada. O Partido não lhe deixou tempo para constituir uma família organizada como a de todo o mundo. Jornalista profissional, trabalhou na Folha de Minas e em alguns outros jornais do Rio e de Belo Horizonte. Mas o jornalismo era apenas a sua “frente legal.” Na verdade, nas últimos 20 anos não foi senão um profissional do Partido, e há pelo menos dez ou 12 anos atua na área Internacional, fazendo contatos com os Partidos comunistas estrangeiros, em especial na América Latina. — Durante todo esse tempo — diz ele — atuei ao lado de Luis Carlos Prestes, secretário-geral e chefe da Seção de Relações Exteriores do partido, e de Fued Saad, que respondia pelo setor de relações com os países comunistas, e em especial com agentes da KGB, que é, em outras palavras, a espionagem soviética.
Segundo Carlos, o Sr. Luis Carlos Prestes vive hoje em Moscou, para onde se transferiu em março do ano passado. Mora num confortável apartamento da Rua Gorki, com a mulher e os sete filhos. De suas janelas, pode ver o Kremlin e assistir aos desfiles militares. Dispõe de carro com motorista e interprete, gozando de grande prestígio junto à cúpula comunista.
— Já estive quatro vezes na União Soviética — disse — em missão oficial do Partido Comunista Brasileiro. Pude observar pessoalmente que o povo russo é desinformado, manietado, desapontado. O Estado controla tudo, e o descontentamento é abafado sob rígido aparelho repressor. Por isso creio que um homem deve saber tomar posições para mudar seu modo de vida, principalmente quando esse gesto visa, fundamentalmente, atingir interesses coletivos. Eu tomei a minha e desejo dedicar esta opção aos meus filhos. Agora, vamos aos fatos que me levaram a tomar esta atitude. Em primeiro lugar, causou-me enorme impacto a invasão da Tcheco-Eslováquia, em 1968, por tropas soviéticas, desmentindo claramente a ideia de que os partidos comunistas estrangeiros tinham liberdade para desenvolver seu próprio caráter e suas aspirações nacionais. Os soviéticos não podem tolerar isto e, mais uma vez, exerceram seu domínio usando a força militar. Olhei para meu próprio partido e para meus camaradas e vi que na divisão de opiniões que ocorreu naquela oportunidade, os membros do partido que se opunham foram segregados e a liderança dominada pelos soviéticos seguiu em frente, cegamente, aceitando a linha de Moscou. Naquele momento, quando senti que a maioria dos Partidos Comunistas apoiava o ataque militar, abafando o anseio de desenvolvimento independente e nacional de um povo, desiludi-me. Foi uma séria decepção. Os soviéticos não admitem que cada país desenvolva nenhuma ideia de caráter nacional e independente, não toleram nada que contrarie seus conceitos, seus propósitos Ideológicos e suas tentativas de dominar o mundo. Aqui no Brasil, quando da traiçoeira invasão ao território tcheco, muitos militantes que discordaram do ato de selvageria foram afastados do partido; outros, ficaram marcados pelos soviéticos, mesmo continuando nas fileiras partidárias como Roberto Morena, Armênio Guedes, Moisés Vinhas etc.
A Propósito do Sr. Roberto Morena, Carlos Informa que, transferido para Praga, sob pressão, por ter discordado da invasão à Tcheco-eslováquia, aquele líder pediu à Comissão Executiva do Comitê Central que lhe desse autorização para regressar ao Brasil.
KGB
— Em Moscou — continua Carlos — hospedado em hotel de alta categoria, destinado exclusivamente a dirigentes dos partidos comunistas de todas as partes do globo, fui procurado por agentes do KGB, o serviço de espionagem soviética, que desejavam recrutar-me como agente exclusivo para conseguir dados e materiais sobre assuntos políticos, sociais e econômicos do Brasil e de outros países ocidentais. Queriam, também, informações minuciosas a respeito dos partidos comunistas latino-americanos e de seus dirigentes. Tudo, evidentemente, em virtude do meu trabalho e acesso a essas organizações na América Latina. Imediatamente levei o assunto ao conhecimento de Prestes, que me aconselhou a não aceitar a proposta dos serviços de Inteligência da União Soviética, porque isso me sobrecarregaria e poderia prejudicar minhas funções como auxiliar do Comitê Central. O próprio Prestes se encarregou de abordar o problema com os russos. Isto se deu em 1970. No ano seguinte houve nova Investida, também em Moscou, e novamente Prestes, amparado pela Comissão Executiva do Partido Comunista Brasileiro, voltou a discordar. Novas escusas e explicações de ambos os lados. Na verdade, a intenção dos soviéticos era colocar-me como marionete, a seu serviço, dando toda prioridade às suas determinações em detrimento dos interesses do Partido no Brasil. Cheguei a essa conclusão porque, não obstante a negativa de Prestes, o KGB continuava a insistir, assediando-me a todo momento. As tentativas eram feitas sobretudo por telefone, e a pretexto de perguntar pelo Fued Saad, que se encontrava no Rio. O fato evidencia o propósito soviético de agir sempre à revelia da orientação dos partidos.
RELAÇÕES INTERNAS
Por ocasião do VI Congresso, em 1967, foi criada a Seção de Relações Exteriores do Comitê Central, e Luis Carlos Prestes, pessoalmente, passou a responder pelos destinos dessa seção perante o Comité Central e a Comissão Executiva, tendo sido destacado o médico Fued Saad, antigo profissional do Partido como segundo homem em termos de responsabilidade. Naquela mesma oportunidade, fui indicado para atuar no lado dos dois. Tempos depois, veio Juntar-se á Seção o jornalista Aluísio Santos Filho, com curso na Escola de Formação de Quadros Profissionais, sediada em Moscou
Segundo Carlos, a Seção de Relações Exteriores tinha o objetivo de manter contatos com Partidos de outros países, recebendo e mandando material de propaganda, trocando informações, recebendo emissários estrangeiros, mantendo correspondência com o exterior:
— Uma das incumbências mais categorizadas do Serviço de Relações Exteriores no Brasil — prossegue — era o contato com as representações do bloco socialista. O jornalista Aluísio Santos Filho, por exemplo, era incumbida de uma certa Embaixada, e Fued Saad era responsável pelos soviéticos. Diversas vezes sai com Fued Saad, dirigindo o meu carro, para fazer contato, com agentes soviéticos no Rio de Janeiro. Os locais variavam. Mas posso citar Praça Verduns, esquinas das Ruas Abatira e Agariba; a Rua Itacuruça, próximo à Rua Conde de Bonfim, na Tijuca. Na Zona Sul, registraram-se encontros nas esquinas das Ruas Barão da Torre e Montenegro. Nessas ocasiões, Fued Saad conduzia pacotes de material do Partido para os soviéticos dentro de uma pasta de couro grande e recebia de volta, igualmente, dentro de outra pasta de couro, enorme quantidade de impressos, livros. Jornais, etc. Às vezes, Fued Saad recebia envelopes contendo grandes somas em dólares, e inúmeras vezes o vi firmar recibos dentro do meu carro, ouvindo dele o comentário de que não gostava de estar correndo o risco de receber dólares daquela maneira. Os agentes soviéticos incumbiam-se de toda a segurança para esses encontros. Quando havia necessidade de um contato de emergência, os soviéticos, usando linguagem comercial ou bancária, chamavam-me pelo telefone de minha residência. Fued Saad, por sua vez, quando desejava falar com os russos, fazia um sinal com giz num poste da esquina da Rua Gago Continha com Marquesa de Santos. Várias vezes estivemos juntos cumprindo aquela missão. Por outro lado, para facilitar a chegada de dinheiro e material para os comunistas aqui no Brasil, os russos utilizavam os mais variados expedientes. Em contrapartida, quando na direção do Partido tinha Interesse em enviar alguma correspondência especial, particularmente para Prestes, era Fued Saad que fazia a entrega ao contato dos agentes. Tudo isto já era rotina, embora se fizesse sempre de modo muito cauteloso. Pessoalmente, cheguei a conhecer dois desses soviéticos que faziam contato com Fued Saad no Rio. Seus nomes: Nikolai Blagushin e Victor Yemelin, ambos pertencentes à Missão Comercial da URSS no Rio. Outro que fazia contato, não somente com Fued Saad mas com o próprio Prestes, era Orlov. Assim é que atua o KGB, valendo-se dos meios comerciais além e outros, como fachada para suas atividades. O serviço de espionagem da URSS usa não apenas os Partidos comunistas para seu trabalho, mas, também, todos os meios possíveis e imagináveis, em aberto, acinte á soberania das nações com as quais mantém relações.
— Na primavera de 1971, Victor Yemelin, um dos elementos da área de contato a que me referi — disse — submeteu-se a uma operação cirúrgica, ocasião em que os encontros foram suspensos temporariamente. Fued Saad, vendo-se em dificuldades para cumprir as tarefas dadas pela Comissão Executiva do Partido, pediu-me Para ir pessoalmente á Missão Comercial russa, na Rua Visconde de Albuquerque, para receber e transmitir algumas informações. Alegando razões de segurança, argumentei que não seria aconselhável a minha ida a esse local. Fued Saad concordou e sugeriu que falássemos com uma determinada pessoa, de certa empresa construtora da Guanabara, para essa tarefa. Essa pessoa faz parte da Seção de Negócios do Comitê Central do PCB. Abstenho-me de citar-lhe o nome por motivos de ordem pessoal.
continua...