13-05-2015, 06:45 PM
Quanto custa o amor verdadeiro? Sábios dizem que o amor de uma garota de programa é sempre mais barato, porque você sabe exatamente quanto paga pela noite. Já o da mulher amada custa infinitamente, mesmo quando o amor acabou.
Palavras duras para uma segunda-feira, mas profundamente rodriguianas, e Nelson Rodrigues é um dos maiores pensadores em língua portuguesa, apesar de não ter ainda sido plenamente reconhecido como tal. Nelson deveria ser objeto de disciplina específica nos cursos de filosofia brasileira.
O problema do valor do amor é constante. A literatura romântica entende que o amor é uma das únicas saídas para o mal-estar da modernização burguesa.
Autores mais contemporâneos como Zygmunt Bauman chegaram a escrever livros identificando a utopia do amor como uma tentativa desesperada de enfrentar o caráter líquido dos vínculos.
O que sempre fracassa, porque o amor mesmo se tornou líquido diante da insustentável condição da vida que não seja pautada pelo dinheiro. E aí voltamos ao tema.
Nelson costumava dizer que dinheiro compra até amor verdadeiro. A frase, irônica, fala da condição profunda dos vínculos humanos, dependentes de condições materiais objetivas.
Onde você acha que nasceria um amor verdadeiro? Para trabalhar com clichês (a vida é um clichê), seria na Praia Grande, depois de oito horas de Imigrantes num carro 1.0 que, quando se liga o ar, anda como tartaruga ou então num fim de semana prolongado com viagem de executiva para Florença, na Itália?
Não precisa responder em voz alta. Guarde pra si a constatação do seu preço. Todo mundo tem um preço. O do amor costuma ser um dos mais caros. Já o do sexo sempre foi mais barato e mais sincero.
Claro, dirão os bonitinhos, que a questão é tipicamente materialista e que já amaram profundamente em meio ao trânsito da Imigrantes. Acredito neles, mas por uns cinco minutos. Esse é o problema. O ônus da vida cobra seu preço em tudo, seja em dólares, reais ou pesos argentinos.
A ideia de que dinheiro compra até amor verdadeiro não deve ser tomada como a única visão de Nelson sobre o amor.
No tocante à obra do autor, temos exemplos de personagens que sobrevivem ao peso da grana, o que demonstra uma certa dose de integridade. Mas integridade é milagre ou luxo (ou doença?), assim como amor verdadeiro que não se pode comprar com charme e mistério na Toscana.
E mais: para Nelson, resistir ao dinheiro nesse contexto poderia ser por si só uma forma de obsessão (doença?).
Logo, a "integridade" nesse campo poderia ser vista como mais uma forma de sintoma do que uma simples virtude. Amar sem dinheiro em sua obra muitas vezes é um modo de obsessão tal que a pessoa objeto dela preferiria alguém normal como amante, do tipo que se apaixona apenas por quem a leva para a Toscana.
Ou seja: "dinheiro compra até amor verdadeiro" pode também ser uma forma de normalidade afetiva.
Ruas lindas e silenciosas, antigas como o medievo ou o Renascimento, restaurantes pequenos, longe da CVC, hotéis charmosos e discretos. O amor, num cenário como esse, brota das paredes. Mas não é só isso.
Ao longo da vida, um amor perene também custa caro. Casas que devem se tornar mais lindas, carros mais novos, férias mais sofisticadas, uma casa de praia ou de campo, cursos para os filhos. Seguro saúde top. Enfim, tudo pode ser contabilizado na estabilidade que o amor exige para si mesmo.
Se falarmos da quase extinta classe média do Lula, a conta fica tão cara quanto a da Casas Bahia, no padrão contábil de cada consumidor.
Sim, tudo isso pode não garantir o amor verdadeiro ao longo dos anos. Mesmo a obsessão de que tudo isso garanta o amor pode ser apenas mais um sintoma na lista interminável de sintomas.
Mas, se o amor de alguém é mais caro do que isso tudo, talvez seja apenas sinal de que o amante não gastou o dinheiro da forma correta, e não que o dinheiro não seria capaz de comprar o necessário para a paixão.
As mulheres estarão emancipadas de vez quando elas também tiverem que pagar pelo amor e não apenas pelo sexo.
luiz felipe pondé
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/lui...amor.shtml
Palavras duras para uma segunda-feira, mas profundamente rodriguianas, e Nelson Rodrigues é um dos maiores pensadores em língua portuguesa, apesar de não ter ainda sido plenamente reconhecido como tal. Nelson deveria ser objeto de disciplina específica nos cursos de filosofia brasileira.
O problema do valor do amor é constante. A literatura romântica entende que o amor é uma das únicas saídas para o mal-estar da modernização burguesa.
Autores mais contemporâneos como Zygmunt Bauman chegaram a escrever livros identificando a utopia do amor como uma tentativa desesperada de enfrentar o caráter líquido dos vínculos.
O que sempre fracassa, porque o amor mesmo se tornou líquido diante da insustentável condição da vida que não seja pautada pelo dinheiro. E aí voltamos ao tema.
Nelson costumava dizer que dinheiro compra até amor verdadeiro. A frase, irônica, fala da condição profunda dos vínculos humanos, dependentes de condições materiais objetivas.
Onde você acha que nasceria um amor verdadeiro? Para trabalhar com clichês (a vida é um clichê), seria na Praia Grande, depois de oito horas de Imigrantes num carro 1.0 que, quando se liga o ar, anda como tartaruga ou então num fim de semana prolongado com viagem de executiva para Florença, na Itália?
Não precisa responder em voz alta. Guarde pra si a constatação do seu preço. Todo mundo tem um preço. O do amor costuma ser um dos mais caros. Já o do sexo sempre foi mais barato e mais sincero.
Claro, dirão os bonitinhos, que a questão é tipicamente materialista e que já amaram profundamente em meio ao trânsito da Imigrantes. Acredito neles, mas por uns cinco minutos. Esse é o problema. O ônus da vida cobra seu preço em tudo, seja em dólares, reais ou pesos argentinos.
A ideia de que dinheiro compra até amor verdadeiro não deve ser tomada como a única visão de Nelson sobre o amor.
No tocante à obra do autor, temos exemplos de personagens que sobrevivem ao peso da grana, o que demonstra uma certa dose de integridade. Mas integridade é milagre ou luxo (ou doença?), assim como amor verdadeiro que não se pode comprar com charme e mistério na Toscana.
E mais: para Nelson, resistir ao dinheiro nesse contexto poderia ser por si só uma forma de obsessão (doença?).
Logo, a "integridade" nesse campo poderia ser vista como mais uma forma de sintoma do que uma simples virtude. Amar sem dinheiro em sua obra muitas vezes é um modo de obsessão tal que a pessoa objeto dela preferiria alguém normal como amante, do tipo que se apaixona apenas por quem a leva para a Toscana.
Ou seja: "dinheiro compra até amor verdadeiro" pode também ser uma forma de normalidade afetiva.
Ruas lindas e silenciosas, antigas como o medievo ou o Renascimento, restaurantes pequenos, longe da CVC, hotéis charmosos e discretos. O amor, num cenário como esse, brota das paredes. Mas não é só isso.
Ao longo da vida, um amor perene também custa caro. Casas que devem se tornar mais lindas, carros mais novos, férias mais sofisticadas, uma casa de praia ou de campo, cursos para os filhos. Seguro saúde top. Enfim, tudo pode ser contabilizado na estabilidade que o amor exige para si mesmo.
Se falarmos da quase extinta classe média do Lula, a conta fica tão cara quanto a da Casas Bahia, no padrão contábil de cada consumidor.
Sim, tudo isso pode não garantir o amor verdadeiro ao longo dos anos. Mesmo a obsessão de que tudo isso garanta o amor pode ser apenas mais um sintoma na lista interminável de sintomas.
Mas, se o amor de alguém é mais caro do que isso tudo, talvez seja apenas sinal de que o amante não gastou o dinheiro da forma correta, e não que o dinheiro não seria capaz de comprar o necessário para a paixão.
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luiz felipe pondé
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/lui...amor.shtml
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Engana a mãe, o pai, o namorado, mas não me engana!
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