08-03-2012, 10:13 PM
"Juvenal era um jovem humilde e muito trabalhador. Um dia, ele deixou para trás sua terra natal, seus pais e sua namorada, Marialva. Saiu da pobreza do sertão para desbravar terras à oeste, abrindo a mata e enfrentando feras.
Ele havia feito como muitos jovens da época: ouviu o “chamado” do Governo que convocava “braços fortes e jovens para desbravar o oeste brasileiro e levar o progresso à Nação”. Com a vida dura que levava, ansiava por conseguir melhores oportunidades na vida e um pedaço de chão só seu.
Juvenal enfrentou as piores condições que poderia imaginar. Ele e seus companheiros dormiram muitas noites em acampamentos precários, enfrentando chuva, passando fome e contraindo doenças tropicais. Passou inúmeras datas festivas longe de sua família e de sua amada. Por muito tempo ficou sem contato com eles, pois nem mesmo serviço de correio chegava onde ele estava.
Com muito trabalho e suor, estes homens derrubaram árvores, limparam os campos, cultivaram o solo e, enfim colheram seus primeiros frutos. Também ergueram casas, barracões, pontes e abriram estradas. Em algumas situações, precisaram pegar em armas para enfrentar bandidos e invasores, gerando algumas baixas no grupo. Jovens iguais a Juvenal terminaram ali com o sonho de vida próspera e feliz.
Alguns anos se passaram, finalmente Juvenal havia se estabelecido. Juntou algumas coisas e partiu para sua terra. Seus pais ficaram imensamente felizes em vê-lo, pois já há tempos não tinham notícias do filho. Sua antiga namorada havia se casado com um rapaz da vila, e esperava pelo terceiro filho. Juvenal ficou um pouco decepcionado, apesar de saber que isso com certeza iria acontecer.
Ficou por quase um ano na terra natal. Tempo suficiente para namorar e casar com a bela e jovem Marisa Isabel, irmã oito anos mais nova de Marialva. A jovem já gostava de Juvenal quando este namorava sua irmã. Na época, ela era ainda uma criança que andava para cá a para lá abraçada com uma velha boneca de pano.
Após uma longa estada junto à sua família, em sua terra, Juvenal e a esposa partiram para a Amazônia. A viagem foi longa, não tanto quanto da primeira vez em que Juvenal a percorreu. Maria Isabel viu muitos campos abertos, casas construídas e estradas pavimentadas. Seu marido contava-lhe orgulhoso sobre o quanto aquilo se desenvolveu, graças ao seu trabalho e de seus companheiros. A cada passagem, Juvenal se lembrava de um momento duro de sua trajetória, desbravando o mato e enfrentando adversidades.
Finalmente chegaram à propriedade de Juvenal. Maria Isabel encontrou uma bela casa construída. Era relativamente grande, bem espaçosa e arejada. Móveis novos, de modelo rústico, talhado na melhor madeira que a floresta poderia oferecer. Quase tudo naquela casa teve a mão de Juvenal. Da fundação, das paredes, pintura e fabricação de móveis.
Maria Isabel teria uma vida bem mais confortável com ele do que em sua conhecera em sua cidade natal.
O tempo foi passando e alguns filhos vieram. Juvenal dava duro, trabalhava todos os dias; saía antes de amanhecer e só voltava quando estava escuro. Ele nunca tirava férias, só folgava no final do ano, quando tudo parava e ele não teria como trabalhar sozinho. Certa vez, ele resolver tirar uns dias de descanso. Passou uma semana em casa sem fazer nada. Queria ficar a toa, só, sem pensar em nada e somente relaxar.
Num desses dias, sua esposa recebeu a visita de uma amiga, que lhe visitava algumas vezes por ano. A mulher viu Maria Isabel trabalhando sem parar: lavava roupa, dava banho nas crianças, fazia o almoço, lavava a louça, tirava o pó da sala. A amiga ficou indignada com a situação e falou:
-- Seu marido não te ajuda, não?
-- Não, eu faço tudo sozinha. – respondeu Maria Isabel.
-- Nossa, como ele é folgado! – disse a amiga, ainda mais indignada. Continuou. – Eu e o meu marido dividimos todas as tarefas. Nos dias de hoje, todo homem tem que ajudar a esposa nos deveres domésticos.
-- É verdade. – disse Maria Isabel, em tom de dúvida, ainda sem refletir sobre o assunto.
-- Lembre, amiga, os tempos de opressão às mulheres acabaram. Exija igualdade no relacionamento, porque nós mulheres somos tão capazes quanto eles.
A amiga foi embora e Maria Isabel ficou com aquilo na cabeça. Pensou em toda a sua jornada de trabalho, só cuidando da casa e dos filhos; e o marido dela, chegando em casa, sentando no sofá, vendo TV e esquecendo da vida. Isso tinha de acabar.
Procurou o marido, que estava vendo TV, e falou:
-- Olha, Juvenal, as coisas entre nós têm que mudar.
-- Do que você está falando, mulher?
-- Não agüento mais esta vida dura que levo. Todo dia lavando, passando, cozinhando pra você e para os seus filhos; e você, chega em casa, liga a televisão e não faz nada pra me ajudar. Acho que ta na hora de você me ajudar como serviço da casa.
Juvenal olhou para a esposa. Ficou um tempo assim, sem dizer nada. Ela ainda estava em pé e ele, sentado em sua poltrona, com a cabeça erguida, fitando os olhos da esposa. Ele nunca imaginou que sua mulher pudesse ficar infeliz com a vida que levava. Pensou um pouco no que iria dizer, e começou assim, falando sempre em tom calmo e seguro:
-- Tudo bem , querida. Eu não importaria de dividir meu trabalho com você, já que é assim que pensa. Poderíamos revezar; onde a cada dia da semana, um se encarrega da casa e o outro do trabalho na mata. – respirou e continuou, sempre com o mesmo tom de voz. – Enquanto você levanta às quatro horas e vai lavar o rosto, eu levanto meia hora antes e preparo teu café. Depois que você sair, eu me deito novamente e durmo mais um pouco. Então você pega a caminhonete, viaja trinta quilômetros em estrada de terra até a próxima vila para pegar os trabalhadores. Não esqueça de levar a arma. Nunca se sabe quando algum bandido resolve atocaiar pela estrada; principalmente à noite ou quando a caminhonete atola. – dá um pequena pausa e prossegue. -- Depois você anda mais uns cinqüenta por dentro da mata fechada e ajuda a descarregar os equipamentos a montar as barracas. Deixa eles trabalhando e vai até a cidade, faz pagamentos, vai até o cartório para regularizar uns papéis, almoça correndo num botequim ali perto, abastece, depois volta pra floresta. O seu trabalho, basicamente, será supervisionar os peões, para que não façam corpo mole. Você terá que ser dura e falar grosso com eles, pois alguns são mais selvagens que as feras do mato. – respirou mais um pouco, a esposa nada disse, só acompanhando o marido. – Este não será seu serviço, mas, às vezes, terá de ajudar a transportar as toras até a serraria mais próxima. – Juvenal enfatizou a voz e disse: Tome muito cuidado. Aquelas toras são muito pesadas, podem chegar a várias toneladas. Já vi muito homem morrer ou a ter a perna esmagada. Eu mesmo quase fui atingindo certa vez. – voltando a voz normal. – Meu serviço é esse. Não acho ruim, já me acostumei. Se quiser começar na segunda, eu aviso a turma que você vai no meu lugar. Pode descansar que amanhã eu arrumo a casa toda. Se você quiser esperar passar a época das chuvas, tudo bem. É que agora as estradas estão uma poça só de lama. Se eu chego tão tarde em casa não é culpa minha, mas deste asfalto que ainda não chegou aqui na região.
Maria Isabel ficou olhando para o marido, sem saber o que dizer. Pediu licença e foi para a cozinha preparar o jantar"
Por Lobo Sagrado
Ele havia feito como muitos jovens da época: ouviu o “chamado” do Governo que convocava “braços fortes e jovens para desbravar o oeste brasileiro e levar o progresso à Nação”. Com a vida dura que levava, ansiava por conseguir melhores oportunidades na vida e um pedaço de chão só seu.
Juvenal enfrentou as piores condições que poderia imaginar. Ele e seus companheiros dormiram muitas noites em acampamentos precários, enfrentando chuva, passando fome e contraindo doenças tropicais. Passou inúmeras datas festivas longe de sua família e de sua amada. Por muito tempo ficou sem contato com eles, pois nem mesmo serviço de correio chegava onde ele estava.
Com muito trabalho e suor, estes homens derrubaram árvores, limparam os campos, cultivaram o solo e, enfim colheram seus primeiros frutos. Também ergueram casas, barracões, pontes e abriram estradas. Em algumas situações, precisaram pegar em armas para enfrentar bandidos e invasores, gerando algumas baixas no grupo. Jovens iguais a Juvenal terminaram ali com o sonho de vida próspera e feliz.
Alguns anos se passaram, finalmente Juvenal havia se estabelecido. Juntou algumas coisas e partiu para sua terra. Seus pais ficaram imensamente felizes em vê-lo, pois já há tempos não tinham notícias do filho. Sua antiga namorada havia se casado com um rapaz da vila, e esperava pelo terceiro filho. Juvenal ficou um pouco decepcionado, apesar de saber que isso com certeza iria acontecer.
Ficou por quase um ano na terra natal. Tempo suficiente para namorar e casar com a bela e jovem Marisa Isabel, irmã oito anos mais nova de Marialva. A jovem já gostava de Juvenal quando este namorava sua irmã. Na época, ela era ainda uma criança que andava para cá a para lá abraçada com uma velha boneca de pano.
Após uma longa estada junto à sua família, em sua terra, Juvenal e a esposa partiram para a Amazônia. A viagem foi longa, não tanto quanto da primeira vez em que Juvenal a percorreu. Maria Isabel viu muitos campos abertos, casas construídas e estradas pavimentadas. Seu marido contava-lhe orgulhoso sobre o quanto aquilo se desenvolveu, graças ao seu trabalho e de seus companheiros. A cada passagem, Juvenal se lembrava de um momento duro de sua trajetória, desbravando o mato e enfrentando adversidades.
Finalmente chegaram à propriedade de Juvenal. Maria Isabel encontrou uma bela casa construída. Era relativamente grande, bem espaçosa e arejada. Móveis novos, de modelo rústico, talhado na melhor madeira que a floresta poderia oferecer. Quase tudo naquela casa teve a mão de Juvenal. Da fundação, das paredes, pintura e fabricação de móveis.
Maria Isabel teria uma vida bem mais confortável com ele do que em sua conhecera em sua cidade natal.
O tempo foi passando e alguns filhos vieram. Juvenal dava duro, trabalhava todos os dias; saía antes de amanhecer e só voltava quando estava escuro. Ele nunca tirava férias, só folgava no final do ano, quando tudo parava e ele não teria como trabalhar sozinho. Certa vez, ele resolver tirar uns dias de descanso. Passou uma semana em casa sem fazer nada. Queria ficar a toa, só, sem pensar em nada e somente relaxar.
Num desses dias, sua esposa recebeu a visita de uma amiga, que lhe visitava algumas vezes por ano. A mulher viu Maria Isabel trabalhando sem parar: lavava roupa, dava banho nas crianças, fazia o almoço, lavava a louça, tirava o pó da sala. A amiga ficou indignada com a situação e falou:
-- Seu marido não te ajuda, não?
-- Não, eu faço tudo sozinha. – respondeu Maria Isabel.
-- Nossa, como ele é folgado! – disse a amiga, ainda mais indignada. Continuou. – Eu e o meu marido dividimos todas as tarefas. Nos dias de hoje, todo homem tem que ajudar a esposa nos deveres domésticos.
-- É verdade. – disse Maria Isabel, em tom de dúvida, ainda sem refletir sobre o assunto.
-- Lembre, amiga, os tempos de opressão às mulheres acabaram. Exija igualdade no relacionamento, porque nós mulheres somos tão capazes quanto eles.
A amiga foi embora e Maria Isabel ficou com aquilo na cabeça. Pensou em toda a sua jornada de trabalho, só cuidando da casa e dos filhos; e o marido dela, chegando em casa, sentando no sofá, vendo TV e esquecendo da vida. Isso tinha de acabar.
Procurou o marido, que estava vendo TV, e falou:
-- Olha, Juvenal, as coisas entre nós têm que mudar.
-- Do que você está falando, mulher?
-- Não agüento mais esta vida dura que levo. Todo dia lavando, passando, cozinhando pra você e para os seus filhos; e você, chega em casa, liga a televisão e não faz nada pra me ajudar. Acho que ta na hora de você me ajudar como serviço da casa.
Juvenal olhou para a esposa. Ficou um tempo assim, sem dizer nada. Ela ainda estava em pé e ele, sentado em sua poltrona, com a cabeça erguida, fitando os olhos da esposa. Ele nunca imaginou que sua mulher pudesse ficar infeliz com a vida que levava. Pensou um pouco no que iria dizer, e começou assim, falando sempre em tom calmo e seguro:
-- Tudo bem , querida. Eu não importaria de dividir meu trabalho com você, já que é assim que pensa. Poderíamos revezar; onde a cada dia da semana, um se encarrega da casa e o outro do trabalho na mata. – respirou e continuou, sempre com o mesmo tom de voz. – Enquanto você levanta às quatro horas e vai lavar o rosto, eu levanto meia hora antes e preparo teu café. Depois que você sair, eu me deito novamente e durmo mais um pouco. Então você pega a caminhonete, viaja trinta quilômetros em estrada de terra até a próxima vila para pegar os trabalhadores. Não esqueça de levar a arma. Nunca se sabe quando algum bandido resolve atocaiar pela estrada; principalmente à noite ou quando a caminhonete atola. – dá um pequena pausa e prossegue. -- Depois você anda mais uns cinqüenta por dentro da mata fechada e ajuda a descarregar os equipamentos a montar as barracas. Deixa eles trabalhando e vai até a cidade, faz pagamentos, vai até o cartório para regularizar uns papéis, almoça correndo num botequim ali perto, abastece, depois volta pra floresta. O seu trabalho, basicamente, será supervisionar os peões, para que não façam corpo mole. Você terá que ser dura e falar grosso com eles, pois alguns são mais selvagens que as feras do mato. – respirou mais um pouco, a esposa nada disse, só acompanhando o marido. – Este não será seu serviço, mas, às vezes, terá de ajudar a transportar as toras até a serraria mais próxima. – Juvenal enfatizou a voz e disse: Tome muito cuidado. Aquelas toras são muito pesadas, podem chegar a várias toneladas. Já vi muito homem morrer ou a ter a perna esmagada. Eu mesmo quase fui atingindo certa vez. – voltando a voz normal. – Meu serviço é esse. Não acho ruim, já me acostumei. Se quiser começar na segunda, eu aviso a turma que você vai no meu lugar. Pode descansar que amanhã eu arrumo a casa toda. Se você quiser esperar passar a época das chuvas, tudo bem. É que agora as estradas estão uma poça só de lama. Se eu chego tão tarde em casa não é culpa minha, mas deste asfalto que ainda não chegou aqui na região.
Maria Isabel ficou olhando para o marido, sem saber o que dizer. Pediu licença e foi para a cozinha preparar o jantar"
Por Lobo Sagrado